quinta-feira, dezembro 7, 2023
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Por que mulheres se apaixonam por homens tóxicos? Veja análise do comportamento masculino

Difícil encontrar, hoje em dia, quem não relate ter tido um relacionamento tóxico, um date ruim, ter conhecido um “contatinho” que sumiu sem falar nada ou que não foi iludido e não estava sendo correspondido emocionalmente, entre outros comportamentos – infelizmente – comuns em relações amorosas ou resultado de encontros casuais de aplicativos de relacionamentos.

 

Mas por que, na maioria das vezes, quem leva a pior é a mulher? É muito raso dizer que, ao longo de uma história construída em cima do patriarcado, os homens foram ensinados a comandar, a prover e serem livres, enquanto elas foram educadas a se doarem mais, serem um pilar ou apoio, aceitarem limites e a jamais dizerem “não”. Afinal, apesar de um machismo predominante, também vemos mulheres ocupando cada vez mais espaços, altos cargos corporativos, públicos e políticos.

Então, por que ainda é comum vê-las em tantos relacionamentos ruins, que causam traumas emocionais e refletem em seu comportamento das mais diversas e prejudiciais formas? Para fazer esta análise, o gshow conversou com a terapeuta e psicanalista Nadja Moraes.

Por que a mulher tende, em algum momento da vida, a passar por um relacionamento tóxico?

Nadja: Muitas vezes, a mulher cresce com esse sensor do limite “desregulado”, digamos assim, pela falta de referência. Ela não foi educada para dar limites, então isso vai favorecer para que ela seja o alvo perfeito. Mas um outro fator é que a relação tóxica ou abusiva não começa com um parceiro amoroso, começa em casa. A primeira referência é o pai, a mãe, o irmão ou alguém que já agia dessa forma manipuladora ou persuasiva. É muito comum que, na idade adulta, a gente acabe atraindo ou se atraindo pelas pessoas que têm algo parecido com aquele primeiro “abusador” do passado, para que, inconscientemente, a gente queira refazer esse percurso e ter um final diferente.

 

“Dizem que a mulher que é a salvadora, então esse fascínio ou atração é muito inconsciente, mas acho que, às vezes, a gente já cresce em um ambiente que nos desenvolve para sermos ‘abusáveis'”.

 

Por que é tão difícil sair de relacionamentos ruins?

Nadja: Existe um elo e a gente não pode achar que o elo é somente amor, tem o elo de dor às vezes. As pessoas passam por tantas coisas juntas (traumas ou brigas) e, querendo ou não, aquilo cria um elo, um apego ou dependência emocional, mesmo se o homem for problemático. Ela pensa, “ele precisa de mim” e, como a autoestima dela já está minada, sente que tem valor no servir. Ele a destrata, despreza, mas não a deixa ir embora, porque de alguma forma ele mostra que precisa dela, traz um senso de ‘valor e de utilidade’ naquela dinâmica — ainda que seja uma dinâmica tóxica.

Verdade seja dita: sempre terá alguém para falar ‘larga ele’, ‘se ainda está junto é porque quer’, e o clássico, ‘eu te avisei’. Como essas falas afetam a vítima do abuso?

Nadja: Realmente, essas pessoas nunca ajudam! Isso só deixa a vítima se fechar mais e se afastar mais de qualquer tipo de apoio. Então, para ajudar, não pode haver julgamento, porque não é fácil… A vida da vítima de abuso acaba girando em torno daquela pessoa […] e romper com aquilo é também romper com a própria vida, porque é tudo o que ela entende de si naquele momento. Existe um ciclo de codependência emocional, financeira e daquela simbiose tóxica. Eu já atendi mulheres que tinham muito dinheiro, mais recursos que o parceiro e, ainda assim, tinham medo de se separar e não terem onde morar.

 

Por que o sexo masculino é mestre na ‘arte’ do ghosting?

Nadja: É muito simples: toda mulher que conheço tem muita dificuldade em falar “não” sem se justificar, porque ela cresceu para agradar. Homem é ensinado a falar “não” e ponto final, não tem que se explicar. Isso faz parte da cultura machista. Agora estamos começando a questionar, a repensar, a falar “espera aí, não é bem assim”. Mas a mulher, para qualquer alteração que tenha ou questionamento que faça, é facilmente taxada de louca. Percebo que a mulher está sempre se desculpando para não incomodar, porque morre de medo de qualquer emoção que tenha ou que faça com que não seja amada. Não tem gatilho maior do que chamar uma mulher de louca.

 

Especialista comenta sobre a importância da rede de apoio para vítimas de relacionamentos abusivos e tóxicos — Foto: Pexels

Especialista comenta sobre a importância da rede de apoio para vítimas de relacionamentos abusivos e tóxicos — Foto: Pexels

O machismo, patriarcado e a masculinidade frágil são temas abordados no filme ‘Barbie’. Você acredita que o comportamento tóxico dos homens tem a ver com uma fragilidade do sexo masculino?

Nadja: Essa relação heteronormativa é algo da qual os próprios homens são vítimas. A sociedade os educou assim ou as próprias mães, que também foram vítimas de machismo, foram educadas assim e repassaram. É complexo, mas esse ciclo precisa acabar. Eu entendo que o filme da Barbie ironiza e critica, mas acho que isso já é um passo anterior ao que nós devemos dar. Vamos tirar sarro? Sim. Falar de masculinidade frágil? Sim. Mas acho que isso já está ultrapassado.

 

“Agora, a gente tem que focar na solução a partir da nossa autonomia, porque é muito perigoso a gente se perder nessa tiração de sarro, que é uma forma de se vingar um pouquinho, de lavar um pouco a própria alma e o próprio ego, mas também é pouco resolutivo e pouco producente.”

A questão da masculinidade frágil é porque o homem aprendeu que o que significa ser homem está pautado em valores super rígidos e engessados que, na verdade, são rasos, e em símbolos muito mais baseados na performance, no falocentrismo, no ser o provedor ou o caçador. E não é que a masculinidade é frágil porque os homens têm o ego frágil, mas porque a sociedade se construiu assim e, do nada, [eles pensam] “o que que eu sou? Eu não tenho valor?”.

 

Na sua opinião, os filmes que abordam o machismo e a masculinidade tóxica o fazem de maneira eficaz?

Nadja: Às vezes, a gente fica nessa pauta para tentar ganhar visibilidade e encontrar um canal que supra essa necessidade de pertencimento em um discurso em que tudo se resume a “macho escroto”. É um caminho preguiçoso e que acaba invalidando pautas e dores reais. Quando tudo vira discurso para ter atenção, quando tudo vira discurso para punir o outro, às vezes, fica raso, fica uma coisa “nós contra eles”. E se a gente só fica nessa de “nós contra eles”, se torna uma luta do “bem contra o mal”, na qual não há vencedor. A gente vai ficar presa na própria dor e ressentimento – que é válido, tem muita dor. Agora, vamos aceitar a realidade brutalmente para, a partir disso, buscar a nossa autonomia.

 

Por que muitos homens não sabem lidar com mulheres bem-sucedidas?

Nadja: A gente sabe muito bem que, muitas vezes, a gente intimida e o homem foge, há uma disputa clara de poder. Dizem que as relações masculinas são homoafetivas: héteros gostam da mulher para o sexo, mas eles gostam de conversar, trocar ideia e passar tempo com os homens. E nessa busca pela igualdade, na qual estamos abrindo mais portas, os homens estão vendo que eles vão ter que ceder espaço e isso o invalida como homem. Porque ele aprendeu que tem valor “quando evoca a virilidade”. Então, quando você tira isso do homem na busca pela igualdade, vê que ele simplesmente não aprendeu a ser homem.

“O que significa que ser homem está pautado nesses valores muito rasos e que, consequentemente, são supertóxicos. Você tira isso deles, os caras caem, porque não se desenvolveram.”

Fonte: gshow.com

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