PF investiga uso de terras no Acre e Amazonas em esquema de lavagem de dinheiro ligado ao CV

Por Amazônia Agora

A Polícia Federal está conduzindo uma investigação que pode revelar um dos mais sofisticados esquemas de lavagem de dinheiro do narcotráfico já registrados no Brasil. O foco recai sobre propriedades rurais no Acre e no Amazonas, usadas como fachada para dar aparência lícita ao dinheiro oriundo de atividades criminosas praticadas por uma das maiores facções do país: o Comando Vermelho (CV).

Fontes ouvidas pelo Amazônia Agora, ligadas à Polícia Federal e ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), afirmam que fazendeiros e produtores rurais da região que compreende Boca do Acre e Lábrea, no Amazonas, além da Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre, foram cooptados pela organização criminosa para participar de um esquema de venda de gado fictício, conhecido como “gado de papel”.

Como funciona o esquema do “boi de papel”

A prática consiste na criação de um rebanho fantasma: os criminosos declaram possuir um número muito maior de cabeças de gado do que realmente existe, e com isso registram movimentações falsas, simulando vendas com notas fiscais e documentos oficiais como as Guias de Transporte Animal (GTA). Com essas transações simuladas, o dinheiro obtido de atividades ilícitas — como tráfico de drogas e assaltos a banco — entra no sistema financeiro com aparência de lucro legítimo da atividade agropecuária.

O esquema envolve também o subfaturamento ou superfaturamento de operações, falsificação de documentos e, em alguns casos, pagamento de propina a agentes públicos. A complexidade do esquema levanta suspeitas de que o mesmo seja parte de um projeto mais amplo de sofisticação do crime organizado no Brasil, com possível participação do Primeiro Comando da Capital (PCC), em aliança com o CV.

Em maio de 2025, uma grande operação conjunta da Polícia Civil de São Paulo e Rio de Janeiro desmantelou uma rede que lavou mais de R$ 6 bilhões em um ano, o que pode ter relação com as operações agora investigadas no Norte do país.

ICMBio e o estopim das investigações

Foi justamente a atuação do ICMBio em áreas protegidas do Acre e do Amazonas que serviu como ponto de partida para as apurações. Agentes do Instituto perceberam discrepâncias entre os dados declarados por produtores rurais e a realidade observada em campo. Em locais onde havia registro de centenas de cabeças de gado, não havia sequer vestígios de criação animal.

A reação do crime organizado foi imediata. Hostilidade contra agentes federais aumentou, incluindo ameaças explícitas. Um áudio obtido pela reportagem mostra um homem conclamando fazendeiros, serralheiros e até pistoleiros para enfrentar os fiscais:

“Estamos passando por um momento muito difícil… convoco todos vocês que têm coragem… vamos enfrentar esses amaldiçoados. Se for preciso, derrubar ponte, vamos derrubar. […] Daqui pra eu morrer, quero ver a Marina Silva sendo enterrada numa caixa de fósforo”, disse o homem, que ainda não foi identificado.

Ameaça direta e ataque armado

No domingo (15), agentes do ICMBio sofreram uma tentativa de atentado na Reserva Extrativista Chico Mendes. Criminosos incendiaram estradas, destruíram pontes e cercas, e tentaram atear fogo no acampamento usado pelas equipes de fiscalização. Três suspeitos foram presos em flagrante.

Na madrugada da terça-feira (17), criminosos invadiram um frigorífico em Brasileia, onde gado apreendido em áreas embargadas vinha sendo abatido. Os animais foram soltos deliberadamente. No dia seguinte, um homem — que se apresentou como integrante do Comando Vermelho — gravou um áudio ameaçando o dono do frigorífico e funcionários:

“Se tu matar o gado do cara e não devolver pro dono, a polícia não vai te proteger a vida toda, bicho. […] Nós vamos entrar e vamos metralhar tudo, porra”.

Na quinta-feira (19), o mesmo homem gravou novo áudio se retratando e afirmando que não representa a facção:

“Eu falei isso de cabeça quente. O Comando Vermelho não tem nada a ver com isso. […] O problema é o Estado, que é o opressor.”

Reação dos produtores rurais

José Augusto Pinheiro, apontado como um dos porta-vozes dos produtores que se manifestam contra a atuação de órgãos como ICMBio, IBAMA e PF em áreas embargadas, disse à reportagem que desconhece qualquer envolvimento de produtores com crimes como os investigados.

A Superintendência da Polícia Federal no Acre foi procurada para comentar a investigação, mas até o fechamento desta matéria não houve manifestação oficial.

As investigações continuam sob sigilo, mas o avanço das apurações pode desencadear uma das maiores operações já vistas na Amazônia Legal contra o uso da estrutura agropecuária como meio de lavagem de dinheiro do narcotráfico.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *