Trump ‘socialista’? A polêmica decisão do governo dos EUA de comprar parte da Intel


Donald Trump e Intel
BBC/Getty Images
Donald Trump está levando o governo americano para o mercado de chips.
Ele anunciou na última sexta-feira (22/08) que o governo federal iria adquirir participação de 10% na Intel, empresa que faz parte da Fortune 500 (lista anual das 500 maiores empresas dos EUA por receita) e é uma das maiores fabricantes americanas de semicondutores.
E o presidente americano insinuou que os EUA podem não ter terminado de aumentar sua carteira de ações.
“Farei acordos como esse para o nosso país o dia todo”, escreveu ele em sua rede social, a Truth Social.
“Também ajudarei as empresas que fazem acordos tão lucrativos com os Estados Unidos.”
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A publicação de Trump foi uma resposta a críticas que se acumularam por dias.
Os críticos incluem apoiadores da direita, que veem na compra um rompimento da tradição americana e do preceito de um governo enxuto.
Além disso, alguns economistas alertam que a promessa de ajudar empresas que fazem acordos com o governo dos EUA aumenta o potencial de corrupção e ineficácia do mercado.
“Com isso, as decisões de investimento precisam ser tomadas com base em política, não em economia”, disse Tad DeHaven, analista de política econômica do Cato Institute, um think tank (centros de pesquisa e debate que buscam influenciar políticas públicas) libertário.
“Isso coloca o governo diretamente na essência do processo decisório de uma grande empresa.”
Embora Trump diga que os EUA pagaram “zero” pelos cerca de US$ 9 bilhões em ações sem direito a voto da Intel, a transação está longe de ser um presente.
Entenda como o governo Trump se tornou sócio da Intel
Os EUA converteram subsídios não pagos, designados na Lei de Chips de 2023 (legislação destinada a promover a fabricação nacional de semicondutores), em ações da Intel.
A postura de Trump não é totalmente inédita no país.
Na crise financeira de 2009, os EUA adquiriram parte da propriedade da General Motors, Citigroup e AIG para evitar a quebra dessas empresas.
Essas intervenções foram justificadas pelos então presidentes George W. Bush e Barack Obama como medidas emergenciais para evitar um colapso econômico nacional.
O governo Trump justifica a compra de participação na Intel como uma forma de proteger uma indústria vital para a segurança nacional.
Mas, para Robert Atkinson, presidente da Information Technology and Innovation Foundation, o objetivo real é outro.
“Não se trata realmente de fortalecer a Intel, mas sim de ter controle sobre ela e talvez ganhar mais dinheiro”, avalia Atkinson.
Se a participação estatal em empresas privadas é uma medida incomum para o governo dos EUA, não é em outros lugares.
China e Rússia investem pesadamente em suas empresas nacionais. Até mesmo as democracias europeias têm um histórico de apoiar o que consideram indústrias-chave, como aeroespacial, comunicações e energia.
Na terça (26), o secretário de Comércio, Howard Lutnick, delineou uma estratégia semelhante, afirmando que os EUA estão considerando adquirir participações acionárias em empresas de defesa e munições.
“A Lockheed Martin obtém 97% de sua receita do governo federal”, disse ele.
“Se estamos agregando valor fundamental aos seus negócios, acho justo que Donald Trump pense no povo americano.”
Outro assessor econômico de Trump, Kevin Hassett, sugeriu um plano mais amplo: que esse tipo de intervenção governamental seja o primeiro passo para a criação de um fundo soberano dos EUA.
O presidente admira os fundos de investimento administrados por outras nações, como a China e as monarquias do Golfo, como um meio eficaz de gerar receita governamental.
Trump indicou que governo dos EUA pode ampliar sua carteira de ações para além da Intel
BBC/Getty Images
Embora não tenha pressionado o Congresso a autorizar formalmente a criação de um fundo nos EUA, o modelo de investimento da Intel pode fornecer uma rota alternativa sem a supervisão e regulamentação que poderiam vir com a participação mais ativa do Congresso.
“Tenho certeza de que em algum momento haverá mais transações, se não neste setor, em outros setores”, diz Hassett.
Poderiam oferecer mais ativos para tal fundo a golden share (ação preferencial que dá direito a veto a decisões estratégicas) do governo na US Steel, negociada como parte da compra da empresa pelo Japão, e a promessa de investimento estrangeiro em indústrias americanas.
Embora Trump frequentemente elogie suas habilidades de negociação e seu conhecimento financeiro, Richard Stern, da conservadora Heritage Foundation, avalia que o controle estatal raramente se iguala ao desempenho do capitalismo de livre mercado.
“Mesmo que ele fosse o empresário mais genial que já existiu, a verdade é que parte do que torna os negócios tão bem-sucedidos é que as pessoas envolvidas neles são especializadas. Elas conhecem aquele negócio, aquele produto, aquela área”, diz Stern.
“Nenhum ser humano pode ser universalmente perfeito na gestão de todos os negócios em todos os setores do planeta.”
Até agora, poucos políticos republicanos — incluindo aqueles no Congresso, que poderiam exercer supervisão — se manifestaram contra o novo interesse do presidente no capitalismo gerido pelo Estado.
O senador Rand Paul, um crítico ocasional de Trump, é uma exceção notável.
“Se socialismo é o governo possuir os meios de produção”, escreveu ele na rede social X, “o governo possuir parte da Intel não seria um passo em direção ao socialismo?”
Como se quisesse enfatizar esse ponto, o senador Bernie Sanders, socialista autodeclarado, manifestou apoio à iniciativa de Trump.
“Se as empresas de microchip lucram com as generosas verbas que recebem do governo federal”, disse o ex-candidato à presidência em um comunicado, “os contribuintes americanos têm direito a um retorno razoável sobre seus investimentos”.
A perspectiva de que o poder econômico que Trump está acumulando com essas últimas medidas possa ser exercido por um futuro presidente democrata é outro motivo para o desconforto de alguns conservadores.
“Alguém acha que eles vão ficar de braços cruzados enquanto o governo detém 10% de participação na Intel sem ter nada a dizer sobre as políticas da Intel em tecnologia verde, diversidade, responsabilidade corporativa e por aí vai?”, questionou DeHaven.
Isso não pareceu deter Trump, cujos esforços podem ser parte de uma estratégia maior ou simplesmente a ânsia de um empresário em intervir onde puder — seja direcionando investimentos governamentais, sugerindo que a Coca-Cola mude a fórmula do refrigerante ou recomendando que a Cracker Barrel volte ao seu antigo logotipo.
“Todo mundo está se precipitando [em analisar a situação] com os ‘ismos’ — corporativismo, socialismo, capitalismo de Estado…”, disse DeHaven. “No fim das contas, é o trumpismo.”
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