Células-tronco: entenda tratamentos e riscos à saúde em caso de uso de material sem procedência

Segundo a Receita Federal, esse tipo de material só pode ser transportado com autorização da Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O uso do produto de procedência duvidosa também pode trazer risco à saúde, conforme especialista (entenda mais abaixo).

No caso registrado no Paraná, a passageira disse aos fiscais da Receita que trabalha em um laboratório no Chile e que entregaria os frascos em um hotel de Foz do Iguaçu.

De acordo com a própria Anvisa, as células-tronco são capazes de “gerar cópias idênticas de si mesmas e de se diferenciar em diversos tipos de células”, podendo recompor tecidos danificados do corpo humano.

As células-tronco são classificadas como:

  • embrionárias: encontradas no interior do embrião;
  • adultas: presentes na medula óssea e no sangue de cordão umbilical e placentário, além de estar presente em outros órgãos e tecidos do corpo, como pele, pâncreas, fígado;
  • pluripotentes induzidas: produzidas em laboratório.

 

Conforme Lygia Pereira, professora da Universidade Federal de São Paulo (USP) e conselheira da Sociedade Internacional de Pesquisa com Células-Tronco, a única terapia celular que usa o material de forma regulamentada e devidamente comprovada pela ciência, por enquanto, é o transplante de medula óssea.

“Transplante de medula óssea, a gente sabe que é um tipo de célula-tronco que a gente sabe e que é uma coisa mega regulamentada e para as doenças do sangue. Agora, qualquer outro uso ainda é experimental e só deve ser feito no âmbito de pesquisa aprovada pela Anvisa e Comitê de Ética em Pesquisa”, alerta.

A professora explica que o uso de células-tronco tem apresentado resultados promissores em animais, e que os testes passarão a ser feitos em maiores proporções em seres humanos, indicando um grande avanço científico.

No entanto, segundo a professora da USP, ainda não há um prazo para que os estudos em seres humanos tragam novos resultados. Deste modo, tais terapias são consideradas experimentais.

“Isso soa de uma charlatanice de gente vendendo tratamento de células-tronco, algo bizarro. […] Atualmente são usadas para pesquisa. Você não pode oferecer tratamento de células-tronco”, avalia a profissional sobre a apreensão no Paraná.

 

Clínicas clandestinas

 

Lygia Pereira, conselheira da Sociedade Internacional de Pesquisa com Células-Tronco, durante simpósio em Ribeirão Preto — Foto: Reprodução/TV Globo

Lygia Pereira, conselheira da Sociedade Internacional de Pesquisa com Células-Tronco, durante simpósio em Ribeirão Preto — Foto: Reprodução/TV Globo

A profissional afirma que a divulgação das pesquisas que podem, em breve, trazer avanços no tratamento de doenças como Parkinson, diabetes e câncer, é positiva, mas que clínicas clandestinas têm usado isso para se aproveitar de pacientes e famílias em busca da cura para tais doenças.

De acordo com a conselheira da Sociedade Internacional de Pesquisa com Células-Tronco, há relatos de casos documentados em estudos internacionais de efeitos colaterais graves do uso de materiais sem procedência certificada.

“Um risco documentado em lugares do mundo é formação de tumores, têm trabalhos científicos mostrando que, em um dos casos documentados, havia um paciente que tinha células de mais de uma pessoa. […] Há também risco de ter uma reação imunológica inesperada por não se saber da procedência”, alerta.

A professora faz ainda um alerta, em nome da ciência, a pacientes e familiares em busca de tratamentos:

“Eu entendo a urgência que esses pacientes e familiares têm, mas a ciência séria ela avança com muita ousadia, mas ao mesmo tempo com muita responsabilidade, porque o mais importante é a gente não fazer o mal aos pacientes. Desconfiem quando alguma clínica tem uma cura para alguma doença importante. Se for algo sério, vai ser amplamente noticiado.”

 

Regras sanitárias rígidas

 

Após o episódio desta quinta, o g1 questionou a Anvisa sobre as regras para transporte de células-tronco. A agência reguladora explicou que a entrada de qualquer material biológico humano no Brasil requer autorização prévia e cumprimento de requisitos legais.

A Anvisa cita haver resolução específica para importação de amostras biológicas humanas para pesquisas científicas, podendo entrar no país somente nas modalidades Remessa Expressa e Remessa Postal Internacional.

Conforme a agência, a norma proíbe a importação e a exportação de material sob vigilância sanitária destinado à pesquisa científica ou tecnológica e à pesquisa envolvendo seres humanos pelas modalidades bagagem acompanhada e desacompanhada.

Conforme o órgão, pesquisas científicas que envolvam humanos também precisam ser autorizadas pelo chamado Sistema CEP/Conep, formado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – instância máxima de avaliação ética em protocolos de pesquisa envolvendo seres humanos – e pelos CEP (Comitês de Ética em Pesquisa.

“Em se tratando de pesquisa clínica com produto de terapia avançada à base de células-tronco, o ensaio clínico também deve estar aprovado pela Anvisa e também pelo Sistema CEP/CONEP. Neste caso, a Anvisa emite um documento denominado Comunicado Especial (CE), que inclusive indica os produtos e insumos que podem ser importados para a realização do ensaio no Brasil, e há também a publicação do ensaio clínico em questão em D.O.U”, explica a Anvisa.

 

Células destinadas à terapia

Em nota, a Anvisa esclarece que resolução de 2011 prevê que o transporte de células e tecidos humanos para fins terapêuticos precisa de autorização prévia da agência.

“O ingresso no território nacional de células e tecidos somente será autorizado mediante comprovação da sua finalidade terapêutica pelo importador com critérios que garantam a qualidade, inclusive de biossegurança”, afirma a agência reguladora.

No caso da importação de células obtidas de medula óssea, sangue periférico, ou de sangue de cordão umbilical e placentário, para fins de transplante, é preciso ainda autorização do Ministério da Saúde, na Coordenação Geral do Sistema Nacional de Transplantes, tendo como importador nacional o Instituto Nacional do Câncer (Inca).

A apreensão no Paraná

 

De acordo com a Receita Federal, frascos apreendidos guardavam células-tronco de cordão umbilical humano — Foto: Receita Federal

De acordo com a Receita Federal, frascos apreendidos guardavam células-tronco de cordão umbilical humano — Foto: Receita Federal

Nove frascos com células-tronco foram encontrados com uma passageira no Aeroporto Internacional de Foz do Iguaçu na última quinta-feira (5). Segundo a Receita Federal, mais de 100 mil células-tronco foram apreendidas em cada frasco, conforme constava nas descrições dos tubos.

O material estava dentro de uma caixa de isopor com gelo, segundo o órgão.

Para identificar o material, a Receita contatou um especialista. Conforme análise, o material foi categorizado como células-tronco coletadas de cordões umbilicais humanos.

O voo em que a passageira de 38 anos estava veio do Chile. À Receita, a passageira contou que viajou outras vezes para o Brasil realizando o mesmo tipo de transporte.

Ela ainda informou que levaria os frascos para um hotel, onde ocorriam as entregas das mercadorias.

Além de não ter a autorização da Anvisa, ela também não apresentou documentação de importação do produto, podendo responder por crime de contrabando, sob pena de três a cinco anos de prisão.

A Anvisa disse em nota que a avaliação sobre possível ocorrência de crime cabe à polícia.

A Polícia Federal afirmou que a retenção de material biológico, realizada pela Receita Federal, ainda não é alvo de inquérito policial, porque somente após a “confirmação da natureza do suposto material biológico transportado é que haverá a definição dos procedimentos legais a serem adotados”.

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