sexta-feira, maio 3, 2024
Política

Lula investe em boa relação com militares no aniversário do golpe militar de 1964

A cerca de duas semanas do aniversário do golpe militar de 1964, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mantém a estratégia de não fustigar as Forças Armadas. Decisões como a suspensão das celebrações oficiais em memória daquele 31 de março de 60 anos atrás e a demora para recriar a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, no entanto, viraram alvo de críticas de historiadores que pesquisam as relações entre a política e a caserna.

O Ministério Público Federal (MPF) recomendou este mês a recriação da comissão, uma bandeira do ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida. Desde março de 2023, Lula tem pronta uma minuta de decreto para reinstalar o colegiado, mas ainda não bateu o martelo sobre quando isso ocorrerá.

A interlocutores, conforme noticiou a colunista Bela Megale, Lula tem dito que se preocupa mais com o golpismo contemporâneo, manifestado no processo que culminou no 8 de janeiro do ano passado, do que com o de 1964.

O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, já acertou com os comandantes das Forças Armadas, segundo a colunista Malu Gaspar, que não haverá manifestação oficial dos militares da ativa no próximo dia 31 de março. A intenção de Múcio, endossada pelos comandantes, é deixar o assunto de lado, em mais um esforço para distensionar o ambiente entre o Palácio do Planalto e a caserna.

Há forte resistência nas Forças Armadas à volta da comissão, a ponto de o presidente do Superior Tribunal Militar (STM), Joseli Parente Camelo, ter declarado que o retorno do colegiado é “completamente desnecessário” e falar que não se pode “olhar o país pelo retrovisor”.

No fim do ano passado, o ministro Silvio Almeida rebateu Camelo:

— Desnecessário é achar que podemos virar a página da História de um passado de dor, simplesmente varrendo a sujeira para debaixo do tapete.

Na intenção de superar a relação de desconfiança com os militares e em um momento delicado, com depoimentos de ex-comandantes das Forças Armadas sobre a suposta tentativa de golpe de Estado por parte do ex-presidente Jair Bolsonaro, Lula acaba, na visão de pesquisadores, tentando “virar” de forma equivocada uma página da História.

Memória construída

 

Recordar o golpe, diz João Roberto Martins Filho, professor da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) e autor de diversos livros sobre a atuação da caserna na República, é um meio de construir memória e evitar a repetição de capítulos lamentáveis do passado:

— O maior risco que corremos é esquecer o passado até chegar a um ponto, como no governo Bolsonaro, de ver militares falando bem de torturadores ou dizendo que o regime militar foi democrático.

Outro estudioso do pensamento militar, o historiador Francisco Teixeira, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), classifica como apagamento da memória a tentativa de deixar de lado o debate sobre os 60 anos do golpe:

— Isso deriva principalmente do núcleo político em torno do Lula, de ministros que estão apressados em “virar a página da História”, expressão que estão usando largamente. Mas essa página ainda está sendo escrita, e a pressa em virá-la vai fazer com que viremos uma página em branco.

Desde o primeiro governo, diz Teixeira, Lula tentou abafar o debate sobre 1964. Ele recorda, por exemplo, a demissão do ex-ministro da Defesa José Viegas Filho, em 2004, após ter punido coronéis da Direção de Comunicação Social do Exército que haviam ofendido a memória do jornalista Vladimir Herzog, morto pela ditadura.

— Durante todo o governo Lula, houve Ordem do Dia sobre 1964, inclusive em polícias militares. E nada foi feito. Mais do que isso: o governo Bolsonaro dissolveu a comissão de reconhecimento dos perseguidos, presos e desaparecidos. Lula não a recriou até agora, embora tenha prometido —lamenta.

É impossível desvencilhar o movimento recente de outros do passado brasileiro, avalia Teixeira.

— O positivismo militarista na Proclamação da República, e depois o florianismo, o tenentismo, o Estado Novo de Vargas, o anticomunismo depois de 1945 e o antitrabalhismo depois de 1961 são todos manifestações da doutrina da tutela militar sobre a República. O bolsonarismo é a versão contemporânea desses mesmos fatos históricos.

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