Uma pesquisa do IBGE, de 2022, mostra que as mulheres dedicaram, em média, 6,8 horas a mais que os homens em afazeres domésticos ou cuidados de pessoas. O relatório “Women in the Workplace 2023”, da McKinsey, aponta que 42% das mulheres e 35% dos homens vivenciaram ao menos um episódio de burnout nos últimos anos. Um estudo da empresa de auditorias Deloitte aponta que 60% das entrevistadas já se sentiram excluídas de reuniões ou debates importante e 53% estão com níveis de estresse cada vez mais altos – destas, mais da metade planejam pedir demissão em dois anos.
Os números não deixam mentir: as pessoas estão exaustas. Antes da pandemia do coronavírus, nunca se ouviu tanto o termo “saúde mental”. E, além da profissão, muitos assumem o “segundo turno” cuidando da casa, dos filhos ou de algum familiar – tarefa que recai, majoritariamente, sobre as mulheres.
Estes números do IBGE, portanto, não são uma surpresa. Surpreendente mesmo é como elas lidam com essa rotina – lembrando que o Brasil é um dos países com a maior taxa de abandono paterno: são cerca de 11 milhões de mães solo, segundo o levantamento da Fundação Getúlio Vargas. Estes são alguns dos motivos que levaram mães e pais a um aumento nos casos de burnout parental.
O que é burnout parental?
Também chamado de síndrome do esgotamento profissional, o burnout passou a ser considerado uma doença ocupacional pela OMS (Organização Mundial da Saúde) somente em 2022. O burnout parental é uma extensão desse quadro, mas referente aos cuidados e à educação dos filhos, como explica Layla Campagnaro, psiquiatra perinatal do Hospital Pro Matre.
“É um conjunto de sinais e sintomas que podem levar ao adoecimento. O burnout é o esgotamento físico e mental associado ao ambiente de trabalho onde não ocorreu o gerenciamento de estresse, ou seja, a pessoa tem estresse crônico, prolongado. Agora, no burnout parental, entraria o ‘trabalho não remunerado’, o cuidado parental. É assim que acontece o desequilíbrio entre os fatores estressores parentais e os recursos compensatórios, o que pode ser tudo inerente ao cuidado de um bebê ou de uma criança.”

Negligenciar ou se sentir culpado por praticar o autocuidado podem tornar os pais mais suscetíveis a quadros de exaustão física e emocional — Foto: Unsplash
Segundo a médica, negligenciar o autocuidado – desde a higiene pessoal, qualidade do sono, um momento só para si – é o primeiro passo para desequilibrar essa balança e colocar a saúde mental em risco. Ela entende que existe uma “fiscalização social” em torno do que os pais devem fazer e uma culpa por não atender a essas expectativas.
“Eu acredito que esse termo entra muito nas expectativas excessivas. Hoje em dia, quanto à parentalidade, existe uma expectativa pessoal excessiva de como você vai se doar para essa família que está sendo construída, o que você deve ou não deve fazer, como você deve fazer, um controle muito grande. E, assim, a gente vai vendo desde sintomas de esgotamento físico ao psíquico.”
O excesso de trabalho, sensação de cansaço, dores no corpo, perda de memória e até transtorno de ansiedade generalizado, transtorno de pânico e doenças depressivas estão entre as possíveis manifestações em um caso de burnout parental. Como consequência, pode acontecer uma sobrecarga emocional e os desdobramentos podem ser manifestados por uma indiferença ou distanciamento momentâneo entre pais exaustos e seus filhos.
Uma situação parecida é retratada no filme “A Filha Perdida”, adaptação da obra literária de Elena Ferrante. Na trama, Leda (Olivia Colman) observa a relação entre Nina (Dokota Johnson) e sua filha pequena e é transportada para a própria maternidade conflituosa: o amor pelas duas filhas, mas também o amor-próprio, seus desejos e as conquistas profissionais são características que humanizam a personagem e excluem a linearidade irreal das emoções.

Dakota Johnson e Olivia Colman em “A Filha Perdida” — Foto: Reprodução/IMDb
Como a saúde mental da gestante impacta na formação do bebê?
Layla afirma que as duas coisas estão diretamente associadas. Segundo ela, a sociedade ainda não enxerga as reais necessidades de uma gestante, dentro e fora do ambiente profissional, e nem a enxerga “trabalhando igualitariamente com o homem”, gerando uma possível sobrecarga durante a gravidez.
A psiquiatra explica, além da questão genética, “também existe a parte epigenética envolvida na construção dessa programação fetal”, ou seja, traumas e outras vivências que pode causar uma alteração na sequência de DNA desse bebê.
“Fazendo uma analogia, a placenta da gestante é como se fosse o solo e o cordão umbilical seriam as raízes permeando este solo, que está recebendo todos os nutrientes, neurotransmissores e hormônios. Então, se essa mulher está adoecida, já está passando através da sua placenta, via cordão umbilical, todas essas informações que irão pré-programar este indivíduo.”
Portanto, uma gestante que enfrenta, constantemente, situações estressantes pode ter seu nível de cortisol, adrenalina e ocitocina mais elevados e passar isso para o bebê, deixando-o mais vulnerável a patologias psiquiátricas e outras doenças: TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), envelhecimento celular precoce, desregulação imunológica e maior probabilidade de ser um bebê agitado ou irritado.
Layla também afirma que, nesses casos, a gestante pode apresentar uma baixa proteção da barreira placentária, maior risco de infecções no pós-parto, hipertensão gestacional e até ter um parto prematuro.
Acompanhamento psicológico e rede de apoio
A médica afirma que “tanto que a sensação de estar sozinha ou de não estar sendo apoiada, de estar sendo invisibilizada, pode aumentar o estresse materno” e levar a gestante aos quadros mencionados anteriormente. Por isso, é essencial que ela tenha uma rede de apoio, seja a presença do(a) parceiro(a), de um familiar ou pessoa próxima.

Psiquiatra destaca a importância da parceria ou de uma rede de apoio para uma gestação saudável — Foto: Pexels
Quanto à terapia, ela defende que seja um instrumento de “conexão e autoconhecimento” que deveria ser usado por qualquer indivíduo e, portanto, se torna ainda mais necessária durante a gravidez.
“Essa mulher está em um processo de intensas transformações biológicas, psicológicas e sociais. O psiquiatra, além de conseguir trazer esse sustento, essa ancoragem terapêutica – que não vai substituir a terapia em si – é o profissional qualificado para dar um diagnóstico, saber se essa paciente tem uma patologia e se é dentro dessa patologia que ele também vai nortear o plano terapêutico.”
A especialista também diz que não é preciso esperar que surjam sintomas para procurar ajuda profissional, porque isso pode ser apenas “a pontinha que o psiquiatra consegue ver sobre uma problemática muito maior” e que até ser possível vê-la “já perdeu muito tempo de avaliação”.
“Na minha concepção, toda gestante deve ser acompanhada por uma equipe multiprofissional, com psiquiatra e psicólogo perinatais.”