sexta-feira, maio 10, 2024
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Estampa étnica? Entenda por que o termo não deve ser usado na moda

É possível uma estampa ou um tecido conter história? Sim, é! As estampas, sejam elas africanas, asiáticas, indígenas ou latinas, são um símbolo sociocultural, que trazem consigo tradição, costumes e expressões artísticas.

 

E se engana quem acha que o termo — “estampas étnicas” — se aplica a uma estampa só: afinal, não há como resumir continentes inteiros e tão ricos em um único padrão ou etnia. Não, essas estampas se dividem em várias, cada uma com seu simbolismo, como explica Hanayrá Negreiros, curadora e pesquisadora de moda, doutoranda em História pela PUC-SP.

Larissa Luz cantou no desfile da grife Meninos Rei no SPFW 2023 — Foto: Fabiano Battaglin/gshow

Larissa Luz cantou no desfile da grife Meninos Rei no SPFW 2023 — Foto: Fabiano Battaglin/gshow

Por que não se deve usar o termo ‘estampas étnicas’?

“Uma das principais razões pelas quais o termo ‘estampas étnicas’ é considerado problemático e potencialmente racista é porque, geralmente, essa expressão é usada para designar estampas de origem africana ou indígena. E isso faz com que a gente entenda que só esses povos são ‘étnicos’.”

 

Hanayrá esclarece que esse pensamento tem relação direta com um padrão social de que o branco de origem europeia ou estadunidense é o padrão social, cultural e estético e que outras culturas e etnias racializadas sejam vistas como “exóticas” – que também é outro termo problemático.

 

“A gente precisa descentralizar o poder e a noção de padrão estético. É errado falar ‘estampa étnica’ só se dirigindo ao que é negro, ao que é africano, ao que é asiático ou indígena. Etnia todo mundo tem.”

 

Estampa étnica? Entenda porque o termo não deve ser usado na indústria da moda — Foto: Instagram/Reprodução

Estampa étnica? Entenda porque o termo não deve ser usado na indústria da moda — Foto: Instagram/Reprodução

“Quando marcas e criadores de moda usam esse termo, eles estão, na verdade, reiterando um equívoco, um preconceito. Ou seja, estão reforçando e reafirmando o padrão branco e europeu, sobretudo.”

 

Qual a alternativa mais adequada ao termo ‘estampas étnicas’?

Para isso, precisamos entender a pluralidade do mundo da estamparia, pontua a especialista. Se existe uma estampa indígena, dos Yanomami, por exemplo, devemos chamá-la de “estampa de origem Yanomami”.

 

“Se existe uma estampa africana, do Mali, do povo fulani, então ela é uma ‘estampa original do povo fulani’. Se é de Moçambique, é uma ‘estampa moçambicana’.”

 

Estampa étnica? Entenda porque o termo não deve ser usado na indústria da moda — Foto: Instagram/Brazil News/Fabio Rocha/TV Globo

Estampa étnica? Entenda porque o termo não deve ser usado na indústria da moda — Foto: Instagram/Brazil News/Fabio Rocha/TV Globo

“Generalizando, podemos chamá-las de estampas africanas, mas, ainda assim, de que parte da África estamos falando?”, questiona Hanayrá.

 

O continente africano tem 54 países e em cada país existem muitos povos: “O correto é aprender sobre esses povos e tentar compreender quais as origens estéticas, históricas e culturais dessas estampas e nomeá-las de acordo.”

Quais são as características dessas estampas?

Segundo Hanayrá, as características desses tecidos podem ser inúmeras, dependendo de cada povo e cada cultura: “Precisamos saber a origem cultural e histórica de cada processo de estamparia e como esses processos estão relacionados a determinados contextos históricos.”

 

 As características desses tecidos podem ser inúmeras, dependendo de cada povo e cada cultura — Foto: Instagram/Reprodução

As características desses tecidos podem ser inúmeras, dependendo de cada povo e cada cultura — Foto: Instagram/Reprodução

Para abordar e apreciar essa estampa de forma respeitosa, a resposta é simples: “Estudando”.

 

“Procure saber as origens, procure saber como essa estampa é usada no seu local de origem, se é para um determinado momento ou função. Uma estampa usada em funerais de um determinado povo não pode ser usada por alguém tomando cerveja no Rock in Rio ou uma balada, por exemplo. Não faz sentido.”

Usar essas estampas pode ser uma apropriação cultural?

Para Hanayrá, o grande peso da apropriação cultural está no mercado capitalista, nas grandes indústrias, nas grandes marcas, geralmente europeias ou estadunidenses, que se apropriam de elementos culturais, de povos e culturas, e usam disso para lucrar e fazer produtos.

 

“Mas eu, como um indivíduo, usar um elemento de um povo também é apropriação cultural e é errado. Se uma mulher branca usa uma estampa da Guiné-Bissau, mas não sabe o que, de onde é e quem fez, é chato também.”

 

“Para usar algo que não é do meu povo, eu preciso saber exatamente o que estou usando, saber se posso usar, saber se o povo dono daquela cultura se sente bem, se não vou gerar nenhum conflito…”

 

Para abordar e apreciar essa estampa de forma respeitosa, a resposta é simples: 'Estudando' — Foto: Instagram/Reprodução

Para abordar e apreciar essa estampa de forma respeitosa, a resposta é simples: ‘Estudando’ — Foto: Instagram/Reprodução

O uso da estampa nas passarelas

Júnior Rocha, um dos designers da marca Meninos Rei – que ele fundou ao lado de seu irmão, Céu -, explica como estampas africanas se envolveram em suas criações: “É um tecido que carrega uma força muito grande. Vestir uma roupa de tecido africano é se vestir de força, ancestralidade e muita garra.”

 

Ele esclarece que, através do uso do tecido, consegue expressar sua ancestralidade, tornando-a sempre viva: “É um tecido que carrega vários códigos, deixando a moda contemporânea com mais representatividade. Escolhemos o tecido africano como a base do nosso trabalho por entendermos sua força e por sermos da religião de Matriz Africana, o Candomblé”.

 

“Nos identificamos muito com o tecido africano pela estética ímpar e, sem dúvida, pela nossa ancestralidade. Afinal, a nossa maior fonte de inspiração foi, é e sempre será a Mãe África.”

 

Júnior Rocha, um dos designers da marca Meninos Rei - que ele fundou ao lado de seu irmão, Céu -, explica como estampas africanas se envolveram em suas criações — Foto: Fabiano Battaglin/gshow

Júnior Rocha, um dos designers da marca Meninos Rei – que ele fundou ao lado de seu irmão, Céu -, explica como estampas africanas se envolveram em suas criações — Foto: Fabiano Battaglin/gshow

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